97

A sociedade, expressão palpável das parafilias nossas

96

Indistinguíveis, a genuína razão, o sopro de um deus.
Com que ânsias não nos outros buscamo-nos  precisamente onde nos mais repugna o encontrarmo-nos.
Invariável nela haja qualquer cousa que nos envergonha, a bem olharmos a boa acção nossa.
Quantas boas filosofias não consistem em cousas em última análise inaveriguáveis, sob égide doirada de verossimilhança. 
Na penumbra nevoenta mesma, os altos das metafísicas de ontem, os cumes dos naturalismos de hoje.
Que não haja classes com que ordenar os pensamentos nossos  prerrogativa de supremo artífice. 
Interessam-nos justamente as inaveriguáveis, dentre as cousas do espírito  perspectiva de artista. 
Apesar de contínuo fracassarmos, fazemo-lo  perspectiva de artista.
O artista como expressão não de individualidade, mas de tipo 
Tão-somente os mais imperecíveis dentre os instintos  os mais primitivos dentre os instintos  fazem fixar as elevações mais íngremes do espírito. 
Convêm mais às carnes que ao espírito, as ciências.
Talvez se possa argumentar no sentido de que a justiça não seja mais que uma sensacção, e que nos não interessem os sucessos empós o termo-nos dela fartado.
Talvez também se argüir possa no sentido de que todas as cousas a que chamamos 'o conhecimento nosso' nada mais sejam que arranjos mais ou menos complexos de signos e que, uma vez que esses arranjos específicos se eles próprios em signos convertam, se jamais logre conceber exaustão possível em as formas e configurações a que se prestem estas fantasmagorias, os signos, o que faz de todas as cousas sérias pouco mais, pouco menos que mero amanho de jogo.
Talvez se possa argumentar no sentido de tanta cousa 
Faz-se preciso saber escolher entre as tantas cousas que se nos obsequiam.
Todos temos nossas razões, como todos temos nossos cancros, nossas pústulas, nossas tumefacções.
Uma bruma, a intenção nossa.
É preciso certa candura, ou melhor fora que disséssemos, certa ingenuidade, para que se componha determinadas obras que nos tocam o espírito.
Que rara felicidade nos causa a pequena, obscura obra-prima do espírito, quando encontramo-la 
Em cada a obra encerra-se um próprio, específico demônio.
Que nasçamos nós próprios, eis o segundo ciclo do nascimento da obra do espírito.
Os céus, como as literaturas, suposições estéticas.

95

Reduz o artista a uma gente interessante, o abandono das Musas. 
Com o tempo pegamos amor mesmo aos mais grotescos filhos nossos, e nisto consiste um perigo.
Poderíamos de bom grado aceitar que certos filósofos desprezassem as ciências  não insistissem em supliciar-nos com suas verdades.
Curiosa ironia, que tantos espíritos ciosos de transcender as ciências lhe tão flagrantemente descompreendam a extensão.
Reina o inconsciente sobre as ciências e sobre as pseudociências, igualmente.
Todo homem procura um deus de acordo com seus instintos particulares.
O amor que em nós desperta a força e o amor que em nós desperta a precariedade são duas diversas cousas.
Que os meios com que nos expressamos sejam, em última análise, nada mais que estranhas deturpações dos pensamentos nossos  das psicologias de certa classe de maus artistas.
Conquanto a forma de um sistema seja, de facto, uma deformação específica de conteúdo 
Muito nos cobram os pequenos bocados, fazem-nos óbolo dos grandes  as Musas.

94

Exímio filósofo, mau homem de letras  pelos acidentes nos parágrafos que o compreendemos. 
Exímio homem de letras, mau filósofo  com que avidez nos nele esclarecemos.
Pretensão do mau homem de letras  que outros busquem-lhe as obras para que mais cultivados se façam. 
Lê-se nunca duas vezes o mesmo livro. 
Entrelaçam-se continuamente sentido e circunstância.
Concedemos facilmente justo reconhecimento ao fino espírito de outrora; trata-se, não obstante, do gesto mesmo com que distinguimos uma criança engenhosa, conquanto não inda liberta da candura própria de seus poucos anos  uma concessão altaneira, não desprovida de certa amabilidade, algo fraternal, e que nos não atinge a vaidade de todo.
As obras contemporâneas como supérfluos apêndices da Literatura  diziam-no os antigos literatos, antes de nós próprios.
Não se deve diluir a sentença em artigos e pronomes demasiados.
Há estilos de prosa que não se pode conceber como o estado saudável do espírito.
Reconhecemos o músico no literato  apesar de rejeitá-lo a ojeriza nossa aos musicismos.
Nem sempre se está firme o bastante para que se discorra sobre um único objecto.
As gentes, esta grotesca diluição das personagens.
O desespero é tão-somente uma das muitas carnes de Deus.
Nada mais aborrecido e enfadonho que a superficialidade funcional das cousas, conquanto tudo devamos aos que julgam diverso.
Todas as cousas transfiguram-se em configurações diversas, excepto Deus, conquanto não por predicado de Sua natureza, mas por razão de que Sua submissão a esta máxima fora admissão de torpeza por parte da igreja que o originalmente concebesse  palavra mundana sobre as epifanias da política.
Tratamos não de filosofias, mas da manifestação ambígua de uma perspectiva indefinida 

93

Não se pode dizer o que mais mal nos faça, se as derrotas que sofremos, que nos magoam os vales do espírito, ou se as victórias, que as sentimos nos píncaros.
Extrair os pensamentos directo da vida, e não dos livros que lemos.
Só há realidades fora o homem, o que equivale a dizer que nos não haja realidades de todo.
Não têm uma alma somente, os grandes Césares.
Apanágio de escassas almas, a eternidade  ao contrário do que se comumente assevera.
Assombra-nos que ainda não seja supérfluo observar que a moral é cousa que se às circunstâncias conforma.
Da morte do centro nasce o círculo.
São as epifanias do espírito que tratam transmitir-nos os filósofos, apesar de tudo.
O temperamento, e não a razão, determina que mais apreciemos um filósofo ao invés que outro.
Há volúpia em fazer-se supérfluo 

92

Os geômetras pertencem à vida  não as geometrias.
O espírito do geômetra  um esquelecto no espírito.
Há demasiadas carnes nos espíritos mais subtis.
Todo progresso espiritual consiste em uma peregrinação de morto em direcção à vida.
Reina sobre os homens aquele que reina sobre os deuses. 
Presta tão bom serviço aquele que obscurece quanto aquele que aclara. 
Nos muito decepciona a exígua agudeza dos filhos nossos, e nisto ao menos estamos de acordo com nossos pais.
A Capacidade cortejamo-la, o Gênio se nos não submete.
Não obstante, não obstante 

91

Divorciam-se forma e sentido, tão logo a sentença se pela pena assenta. 
É preciso que nos não identifiquemos demasiado com cousa alguma, e que o maior número de cousas em nós encontre expressão devida.
Para que se mais profundamente expresse, talvez demande o Gênio que lhe não façam demasiados ecos.
Acompanha-nos vida afora uma impureza inextirpável, com a qual nos não podemos habituar.
À massificação das gentes segue, nas ciências do espírito, a necessidade de tratar todas as cousas individualmente.
Pouco se distinguem de oráculos, as grandes obras do espírito.
Há mistificadores mesmo entre os mais irreductíveis homens de ciência  quiçá precisamente os mais irreductíveis homens de ciência.
Não pode ascender às altas esferas da ciência aquele que não tem a têmpera do artista  afirmação que se também verifica em seu negativo directo.
Separa o quanto somos do como agimos noute larga, insondável, intransponível.
Hesita em dizer-se Humano qualquer que se a fundo compreende.
Trata-se a Humanidade de um conceito que tão-somente se nos aplica em casca.
Parcas espumas que sobre a voragem volteiam, todas as cousas que mais intrisicamente sabemos a nossas, nossas sensacções, nossas afecções, nossas inteligências.
Entretanto, cada cousa pressupõe todas as cousas.
Tal nos ao menos parece. Não é possível saber, entretanto, até que ponto a unidade do universo o efectivamente seja, e não mero artifício de percepção.